Qual é a relação entre pandemia, História do Brasil Colônia, meio ambiente, fome e agricultura?
Qual foi a participação dos camponeses no antigo sistema colonial na América Portuguesa? Como as atividades econômicas destes estavam inseridas na formação social escravista, na região do Recôncavo Baiano? Em magistral artigo, o Prof. Francisco Carlos Teixeira da Silva, aborda essas questões, além de demonstrar como utilizar fontes históricas na produção de um texto científico.
Confira:
"Tratamos de uma área próxima de Salvador na Bahia especializada na produção de mandioca, entre 1680 e 1750, para o abastecimento da cidade e seu porto, composta pelas freguesias de Maragogipe, Nazareth das Farinhas, Jaguaripe e Itaparica. Tais “vilas” formariam um primeiro círculo, ou “anel “agrícola”, bastante próximo da capital, com um raio de 100 até200 quilômetros; um segundo círculo seria formado pelas vilas ditas “de baixo”, com as freguesias Cayru e Boipeba, na Ilha de Tinharé, Camamú, Valença e Maraú, no limite mais ao sul, encostando na vila do Rio de Contas e Itacaré. Este “segundo círculo” atingiria um raio mais dilatado, entre 200 até 400 quilômetros de Salvador; por fim, alcançaríamos um último círculo “abastecedor” da cidade Salvador, com Ilhéus, Olivença, e a vila do Una, junto ao rio de mesmo nome, já em um raio de mais de 500 quilômetros (IBGE, 1986, p. 413). Eram espaços imensos e difíceis de alcançar para um país novo e de escasso povoamento".
"Este artigo – de forma muito breve e precária - pretende ser uma homenagem a Maria Yedda Linhares retomando algumas de suas teses principais, na contramão do “main stream” da poderosa historiografia tradicional brasileira. Tendo como “cadre bati” o Recôncavo do Bahia, Salvador e suas vilas, buscamos demonstrar que uma paisagem colonial unívoca em tono do Engenho, a plantação de açúcar e suas escravarias é uma visão equivocada da vida econômica e social do Brasil colonial. A colônia, ou o Estado do Brasil, para não ampliarmos para o complexo Estado do Maranhão e do Grão-Pará, era um complexo paisagístico imbricado de múltiplas formas coetâneas, que se autoalimentavam, com formações escravistas diversas e multifacetadas convivendo com o trabalho livre, subordinado e votado para viabilização da empresa escravista.
Os “modos” de exploração do escravismo eram estratificados em graus diferenciados, desde imensas propriedades, deverias dezenas de pessoas escravizadas até pequenas unidades de 1-3 trabalhadores escravizados vivendo em condições de penúria com um senhor que trabalhava com seus escravizados, mas que deles se distinguia, orgulhosamente, por sua condição de livre. Mesmo ex-escravizados, alforriados buscavam ter uma pessoa escravizada, por vezes em péssima condição física, para “tocar” uma terra, esta mesma no limite do sistema agrário, em condições de extrema vulnerabilidade climática, como veremos. Havia, mesmo no escravismo, uma reprodução interna da pobreza.
Esse “lado oculto” do sistema, como chamava Maria Yedda Linhares, foi tratado como uma economia natural – espécie de “Naturwissenschaft” nas obras dos grandes historiadores da Colônia, como Caio Prado Junior e Jacob Gorender, não merecendo nenhuma atenção especial. Seus trabalhadores desapareceram da História. Moradores, meeiros, parceiros, caribocas e dezenas de outras denominações locais que se atribuíram aos camponeses o “ocultaram” da História do Brasil até inexplicáveis explosões de violência como a Cabanagem, Canudos ou Contestado (LINHARES; TEIXEIRA, 1987, p. 17 e ss). Quem era essa gente. Silêncio. O papel de localização e identificação de um povo entre a massa de escravos e pardos, brancos, mestiços, índios destribalizados, negros livres, brancos pobres e a minoria da elite branca e “de bem” aos quais iria se somando, aos poucos, os negros libertos desde as leis de 1850 até 1888 foi uma História “envergonhada”.
“Esse outro lado da História”, seu lado oculto, de trabalhadores humildes, humilhados e ocultos é o que trazemos aqui em homenagem ao 100 Anos de Maria Yedda Leite Linhares".
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